sábado, 29 de março de 2014

Rodrigo

Ouvi dizer que só se liberta quem se perdoa e estou te escrevendo para te contar que eu me perdoei. Finalmente eu me perdoei pelo tanto que eu te quis. Querer alguém com a intensidade e a velocidade que eu te quis não poderia mesmo ter tido um final diferente. E eu me perdoo por isso. Eu me perdoo por ter sido esse trem desgovernado indo em direção a uma boiada inteira ignorando todos os avisos, os sinais e os gritos. Eu me perdoo e prometo te enviar um cartão bem bonito de onde tanta liberdade me levar. Um cartão como aquela carta que eu nunca te dei. Contendo todas aquelas palavras que por tantas vezes você abafou de mim mas que eu ainda tenho guardadas em algum lugar aqui dentro. Eu guardei muito, mas por isso eu perdoo não a mim, e sim a você.
Eu te esperei até quando disse que não esperaria mais. Eu te quis até quando tive todos os motivos para não querer. E a esperança e o luto deixaram espaço na casa para o perdão entrar. E agora o que eu mais desejo a você é que algum dia você possa perdoar a si mesmo também.
Eu desejo a você algo bem bonito, como tudo aquilo que te entreguei e você me devolveu ainda com o laço em cima. Eu desejo que você finalmente tenha forças para limpar a casa e jogar fora o lixo que você insiste em acumular. Desejo que você dê beijos, como os que eu tanto quis te dar. E que a sua boca não consiga se controlar e no segundo seguinte você sorria sem que você perceba, sem que você consiga controlar, sem que você ao menos consiga notar, como os sorrisos que eu te dava, sem saber que te dava. Desejo a você noites de sono ao lado da pele mais macia, da voz mais doce, do cheiro mais gostoso, como as noites que eu sempre quis  com você e te observava e suspirava e te queria cada vez mais e os meus braços eram pequenos demais para abraçar cada centímetro de tudo o que você era. Eu desejo a você um pouco de mim na mesma intensidade em que desejei tudo de você.
E no dia em que a gente se esbarrar por aí e vou te convidar para sentar e você vai me contar do seu trabalho, dos seus planos, me mostrar o seu novo vício musical, o desenho que você não mostrou a ninguém, e um rirá das piadas do outro. As minhas são terríveis, eu sei, mas você sempre ria delas, tirava o cabelo do meu rosto e me chamava de boba e o mundo podia explodir naquele momento, porque nada mais me importava. E então você vai olhar para o relógio e se assustar com as horas e me falar que adoraria ficar mais, mas que precisa ir. E eu vou aceitar essa sua última mentira como se fosse a primeira e enquanto você me der um beijo na testa de despedida eu vou dizer bem baixinho amor-que-nunca-foi-meu-eu-te-desejei-tanto.

Por Marina Mello, adaptado. 

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